Num campo florido, da flôr a sina
que cor vadia inunda a sombra
o tempo brota do chão da página
como raíz que do céu se lembra
com vagares de estrela escolhe o dia
novo. Flecha de sagitário como espiga pálida
sobre as andorinhas voa a fantasia
e um sol eterno que já foi crisálida
um bater de asas espantou a lua
que bebia água junto dos pardais
na rosa pele vibram sentimentos
ninho de cegonha nos ferros da grua
água sob a ponte canta até ao cais
e a terra guarda seus melhores momentos.
Cinza ao vento não é o fim
onde espalha raíz da história
fénix que há em mim
asa e voo da memória
minha língua na palavra gasta
saboreia o lume do seu ocaso
num romance de azimute. Basta
um verbo, um beijo sem prazo
em redor da pele, lua macia
de Terpsicore, sinto teus olhos
na avalanche que me guia
no mar vazio anoiteceu
perdi a noite a guardar sonhos
o mundo todo aconteceu.
Dessa arte de saber ficar feliz
seco as horas como folhas para chás
música de asas de perdiz
a meus ouvidos de caçador de paz
alquimia que transforma pensamentos
na sintética pureza da verdade
filosofia de horizontes e sentimentos
espelhados na beleza da cidade
o mastro do navio não risca o céu
se riscasse, o que nele escreveria
a árvore que mais alto se ergueu
e tu que lês estrelas, meu irmão,
o que diz a concha para a areia
o que diz o bater do coração.
Lentamente, como a primavera
desce da montanha, folha-ante-folha
em silêncios de musgo, a espera
minguante, no momento da escolha
de cada palavra sua flôr balança
exala e tinge o sol, agora
se balançar no verso é criança
vou descrever-te pela vida fora
mais lentamente ainda eu te diria
como o lago beija a sua margem
onda a onda dia a dia
o amor não seca depois do fruto
teus passos são a minha viagem
ainda que seja meu o luto.
cresce em aventura a rua estreita
esquina de carvão e sombra nua
não me entende a luz tardia da lua
pousa no meu ombro e daí espreita
a noite que arrefece em minha mão
na suspeita imaterial que um sonho morre
nos meus olhos. E o silêncio escorre
por paredes, portas, janelas, e, então
no vazio mecânico do caminhar perdura
vésperas de solidão, enquanto urge
perder o norte pois que busco a cura
que só no sul do teu coração
espera por mim, e bruscamente surge
em minha frente uma imensidão.
Chopin. Gotas escorrem na janela sem som
repetição de sombra que nunca repete
o sorriso. Andantino de silêncio. Bom
lugar para ver onde o sonho te promete
de Chopin a música suave chora
ou, talvez, apenas um sorriso triste
como a melodia, passa, vai embora
e tudo leva o que na noite existe
a noite é uma tela abstrata
sem nuvens, sem horizonte e bela
como a música que a retrata
Chopin. Nocturno sem palavras nem luar
que música pode assim encontrar
a lua, distraída, perdeu-se no sonhar.
Era o dia que esperava tua cor
que cantava no embalo das searas
mistérios de abril na brisa, na flôr
segredos da pele, palavras raras
a noite de estrelas coloridas
revelada por teus olhos de luar
junto a ti não há horas repetidas
que explosão nos irá juntar
do fogo invisível o murmurar
sem fim. E sem fim o beijo arde
o que queres de mim eu quero dar
desse perfume de flôr na tarde
tardia essência do teu sonhar
rosto sem distância onde o amor se perde.
De teus olhos noturnos luz do farol
vigia meu mar sem fundo, sem fundo
tua mão segura meu sonho de sol
asa parada,teu sorriso sobre o mundo
o que passa porque vai embora
haverá outro tempo que espera
esta paisagem não é de agora
só em ti algo é o que era
e vivo da poesia do teu olhar
tenho uma vida inteira para aprender
que não se aprende a viver, pois não?
do amor a sombra fora do lugar
como é possível impossível ser
no entanto matas minha solidão.
Nem corcel, nem centauro, nem dragão
nem unicórnio. No meu sonho telúrico
tudo rola como pedras soltas do chão
e em mim se afunda o mar. Trágico
afluente de escarpa sem abismo
avalanche prometida, e sem paixão
não corre o rio. Ponte de egoísmo
sem margem, sem lua. Solidão
ignorada. Vislumbre do que arde
nos teus olhos. Manhã aprisionada
sem limites para ultrapassar
de correnteza e vendaval, a tarde
que era minha, me deixou, sem nada
e a vida corre para me alcançar?
Abre-se o horizonte em utopia
estampada na folha vazia
que meu olhar queima e vigia
como nuvem sobre nevoeiro
quem, ao sorriso chegou primeiro
o risco define o tempo da cal
na parede o gosto do sal
meu giz no ponto final
algumas flores o branco escolhem
que em asa de pomba percorre
o mundo. O encontro na mensagem
de pégada em neve fugaz
queda de água de onde escorre
a tristeza, que alegria ficou para trás.
Cântico sem asa de folha pelo chão
acorda amanhã de galo ausente
do beiral as horas pingam em canção
allegro, mas, a mim, soam tão diferente
onde a alma faz ouvir seu lamento
eterno instante em tecla de virginal
busco o silêncio de um voo lento
de pétala, nuvem, águia irreal
passos perdidos,indiferença em si
sol em harmonia de rosa e jardim
nada se assemelha ao mar e a ti
e não és búzio à espera de mim
que me leva o cântico da saudade
a voltar a MI, MInha liberdade.
De frio e sorte estranha, a vida
murcha na flôr do cacto. Bela
no entanto, aceso rasto da ferida
percorre o gume de deserto a estrela
luar sem noite, tão perdida lua
adormeço cego e eis que caio em mim
se cair me ensina, aprendo enfim
a entrar na história que recua
lembro moínhos e marés que de ciúme
pelo vento, vão gemendo dores de alma
no cansaço que reinventam na batalha
lembro portas e janelas sem queixume
sem segredos na penumbra, a mesma calma
a mesma luz na mesma hora se espalha.
O dia áspero, pesado chão o teu
de ferro. Olhar de vidro sobre a ferrugem
persa. O que te espera no silêncio ateu
restos do desespero da translúcida viagem
cúpula sem sombra na página rasgada
de areia e escorpião ampulheta tonta
memória fugidia a fugir da espada
raio de sol que em livro desponta
muqama de cerâmica, iwan imperial
mesquita azul, que azul o céu chorou
flôr geometrizada de Sari, tudo total
falsa janela, cabeça de chá, qíbla
grafia decorativa, técnica do nó que dou
tapete de oração, namose, urdidura de lã.
De Urano a semente em água fria
no caminho de Zeus púdica Hera
de estátua a carne o amor sofria
olhar ausente, que ausência impera
na terra. Aqui quizera Aquiles tanto
em doce vento a força inaugurar
onde Cassandra inventa novo pranto
Calíope conduz as lágrimas para o mar
nos destroçados campos de batalha
acordam flores esquecidas do sangue
dos Centauros. A flôr feita mortalha
Geia, mãe de Titãs e Titanides
sem destino. A nervo, aço ou Cárites
tua história de longe vem, e segue.